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terça-feira, 17 de agosto de 2010

Novo passo é dado para vacina contra a febre reumática


Equipe de pesquisadores do Incor anuncia ter conseguido sucesso de 100% nos testes, em animais, de substância imunizante contra a doença, que atinge cerca de 15 milhões de crianças a cada ano. Próximo passo será o experimento com humanos.
O Brasil está bem próximo de obter uma vacina contra a bactéria que causa a febre reumática, uma doença autoimune responsável por problemas cardíacos em cerca de 15 milhões de crianças todos os anos, no mundo inteiro. Depois de 20 anos de intensos estudos, os pesquisadores do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (Incor), ligado ao Hospital das Clínicas de São Paulo, conseguiram obter sucesso de 100%, nos testes com animais. No fim de 2011, poderão começar os primeiros testes em seres humanos. “É uma vitória para a medicina. Se tudo der certo com os ensaios clínicos em seres humanos, essa vacina servirá de modelo para outros imunizantes contra doenças autoimunes”, diz Luíza Guilherme, pesquisadora e doutora em imunologia, que está à frente do projeto no Incor.

A febre reumática é uma doença decorrente de uma infecção na garganta provocada pela bactéria Streptococcus pyogenes, que tem reflexos no coração (veja infografia). A infecção promove a produção de anticorpos que atacam a bactéria e, ao mesmo tempo, atingem tecidos saudáveis do corpo. “As proteínas da S. pyogenes são muito semelhantes às proteínas do coração, das articulações e do sistema nervoso central, daí o comprometimento da atividade cardíaca provocado pela doença”, explica o cardiologista e coordenador do Laboratório de Valvupatia do Incor, Max Grinberg. Segundo ele, a bactéria não causa diretamente a doença, mas desencadeia um processo que faz o organismo voltar-se contra si mesmo.

De acordo com Luíza Guilherme, esse processo ocorre porque as células do sistema imune aprendem a combater a proteína M, presente na superfície da S. pyogenes, mas a confundem com proteínas dos tecidos cardíacos e das articulações. “A bactéria pode até ser eliminada do organismo, mas o sistema imunológico acredita que ela esteja no corpo e ataque os tecidos, provocando a febre reumática”, disse a coordenadora do projeto.

Para fazer uma vacina contra a bactéria, os cientistas do Incor buscaram o máximo de conhecimento para saber como essa doença ocorre no organismo. Eles procuraram por um trecho que sensibilizasse as células de defesa contra a S. pyogenes. Para isso, estudaram uma região de 100 aminoácidos na base da proteína M. “Ela é comum em todos os estreptococos que causam a frebre reumática. Até onde se sabe, essa região não induz resposta de autoimunidade”, conta Luíza Guilherme. Ou seja, essa base varia muito pouco nas cerca de 200 cepas (o equivalente bacteriano a raças) da bactéria e não induz os linfócitos a destruírem proteínas do corpo humano.

A partir dessa região, os pesquisadores identificaram 55 resíduos de aminoácidos, que formam uma proteína, e com elas fizeram 79 peptídeos (pedaços de proteína). Enquanto isso, recolheram amostras de linfócitos T de 260 pessoas e soro do sangue de 620 pessoas — que mede a reatividade dos linfócitos B. “Quando a pessoa tem uma doença autoimune, ela é causada tanto pela ativação do linfócito B quanto do T, só que de uma forma inadequada. A busca da vacina foi ter uma resposta desses linfócito T e de anticorpos produzidos pelo linfócito B que não causassem a febre reumática”, explica Luíza Guilherme.

Depois das análises, os cientistas do Incor encontraram na proteína M um trecho capaz de induzir o corpo a produzir anticorpos contra a bactéria e passaram a testá-las em animais. “Essa região tem um potencial de produzir anticorpos que, aparentemente, têm capacidade protetora”, afirma a coordenadora do projeto.

Eficácia
Os testes foram feitos em diferentes linhagens de camundongos e todos eles produziram altos títulos de anticorpos. Em dois testes diferentes, camundongos foram vacinados e receberam uma quantidade de bactérias que normalmente seria suficiente para matá-los. Em ambos os testes, os camundongos não desenvolveram a febre reumática. “Observamos que esses animais produziam altos níveis de anticorpos, tinham reatividade do linfócito T, mas não reconheciam proteínas de tecido cardíaco”, diz Luíza Guilherme.

Após os resultados, os pesquisadores resolveram testar a eficácia em pequenos porcos, de 20kg a 30kg, que, do ponto de vista biológico, são próximos aos seres humanos. Como esses animais não desenvolvem a febre reumática, foi injetada uma dose alta com bactéria nos animais, para que fosse desenvolvido um tipo de abcesso. Nos testes com seis porcos, foram obtidos altos níveis de anticorpos e nenhum tipo de reação adversa foi encontrada nos órgãos analisados. “Os resultados nos mostraram que há uma grande chance de que possamos induzir nos humanos uma boa proteção, sem causar reações adversas e autoimunidade”, comemora a doutora em imunologia.

Para que a expectativa quanto aos testes em humanos se concretize, os cientistas estão envolvidos, agora, com a preparação da documentação que será submetida à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). “Estamos preparando os documentos necessários exigidos pelas leis que regulamentam medicamentos testados em humanos, para dar início aos ensaios clínicos. Como é uma vacina que será aplicada em crianças, os testes devem demorar até cinco anos”, informa Luíza Guilherme. Os ensaios, feitos em voluntários, vão mostrar com qual intensidade a vacina é capaz de induzir uma resposta no corpo humano e as reações que pode provocar.

A febre reumática atinge, principalmente, crianças, a partir de 5 e 6 anos, e adolescentes, e começa com uma infecção na garganta. Se o problema não for tratado, o paciente fica com sequelas. Entre 1% e 5% das crianças adquirem dores nas articulações. Dessas, entre 30% e 40% acabam desenvolvendo problemas cardíacos. “Quando partes do tecido cardíaco já foram destruídas, o paciente pode ser salvo somente por meio de uma cirurgia — em geral, de troca das válvulas mitral ou aórtica, com alto custo e possíveis sequelas”, explica Max Grinberg.

Silvia Pacheco
Correiobraziliense.com.br

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