Eles nem sempre encontram chance de desenvolver suas capacidades em um esquema tradicional de ensino. O resultado de uma dessas turmas poderá ser visto em exposição na Asa Sul.
Em vez do habitual quadro-negro, a parede é ocupada por pinturas de animais, naturezas-mortas e paisagens bucólicas com casinhas envoltas em muito verde. A sala de aula mais parece um ateliê, com pilhas de telas ainda brancas, pincéis e bisnagas cheias de tinta. “Quando cheguei, só fiquei assim, olhando”, recorda Danilo Cabral, de 10 anos, arregalando os olhos. Ele é o calouro de uma classe especial, formada por crianças e adolescentes, entre sete e 18 anos, donos de um talento incomum em artes plásticas.
Os jovens participam do Atendimento Educacional Especializado ao Estudante com Altas Habilidades/ Superdotação, programa da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEDF). A turma de Danilo, que se reúne na Escola Classe 57, em Ceilândia, está preparando uma exposição de seus trabalhos a ser inaugurada no próximo dia 18, no Espaço Cultural Ary Barroso (Sesc Estação 504 Sul). “Haverá obras com técnicas e temas variados, por causa da diversidade de habilidades que os alunos possuem”, revela a professora Sandra Machado.
Entre os garotos e garotas, há quem se dê melhor com grafite, lápis aquarelado ou tinta a óleo; desenhos de moda, paisagens ou retratos. O novato Danilo ainda está se habituando. Para ver o que ele sabe, a professora deixa que o menino rabisque o que lhe vier à cabeça. “Ele nos foi indicado por uma professora que viu que ele desenhava muito bem”, diz Sandra. Após traçar um jardim bravio com rosas espinhentas e um singelo Pato Donald, Danilo apanhava mais uma folha de papel. “Acho que vou aprender mais sobre arte. Quero ficar bastante tempo, até conseguir fazer parecido com essas aí”, aponta as pinturas na parede. “Soube que vai ter competições e quero vencer pelo menos uma delas”, ambiciona.
Exemplo
Danilo pode se espelhar em Wllyson Santos, 16 anos. Aluno de Sandra desde 2007, ele ganhou o concurso Brincado com arte do ano passado, promovido pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Entre os prêmios que já recebeu, estão materiais de pintura, como cavaletes, e bolsas de cursos de desenho. De vez em quando, vende um quadro ou outro por R$ 50 ou R$ 100. “Eu quero ser estilista. A professora me disse que tenho muita chance de chegar lá”, afirma.
Antes de se matricular na turma especial, Wllyson saía desenhando. A inspiração? “Qualquer coisa, o que me desse na telha.” Conseguiu dar ordem a seus impulsos criativos e ficou mais confiante. “Perdi a vergonha de pintar. Antes escondia meus desenhos, com receio de dizerem que estava malfeito”, conta. O ex-caladão celebra a turma de que faz parte. “Se não existisse esse grupo, ia ficar cada um no seu lado. A gente tem que expressar o que sente e divulgar nosso trabalho”, defende.
Ciente da própria vocação, Wllyson recebe o apoio dos pais. “Eles dizem para eu nunca desistir, se é mesmo o que quero”, conta. Edilson José Ferreira, 17 anos, seguiu em frente mesmo após deixar a turma de superdotados, quando concluiu o ensino médio. Ele vai concorrer a uma vaga no curso de artes plásticas da Universidade de Brasília (UnB). Após passar na prova de habilidade específica, aguarda a próxima etapa do vestibular. “Estou estudando, vamos ver o que é que vai dar.”
Se não tivesse feito parte da classe de Sandra, Edilson diz que, provavelmente, não teria escolhido trabalhar com arte. “Turmas como aquela motivam as pessoas. Tem muita gente que desenha bem, mas fica no anonimato”, acredita. Quando se formar, ele planeja ser professor de escola pública. “Acho que, onde eu lecionar, vou mudar bastante coisa; quero fazer as pessoas gostarem de artes plásticas”, prevê. Ele vai tomar a antiga professora como exemplo. “Sandra é diferente das outras. Ela corre atrás, procura concurso para a gente participar, organiza exposição. Isso demonstra dedicação”, elogia. A professora fala dos alunos com carinho, mesmo dos que saíram antes do tempo. “Alguns começam a trabalhar cedo e precisam ir embora. Teve um que foi uma pena: foi ser empregado de um supermercado, tinha uns 15 anos. Ele era ótimo, chegou a ser premiado”, lembra. A classe que ela orienta, composta por cerca de 40 estudantes, é apenas uma das incluídas no programa de atendimento a alunos superdotados.
Ajuda sempre é bem-vinda
O projeto foi criado em 1976 pela SEDF e ganhou novo alento em 2005, quando o Ministério da Educação criou os Núcleos de Atividades de Altas Habilidades. Atualmente, o DF conta com cerca de 2 mil estudantes inscritos. “Uma das nossas metas é tornar visível a necessidade de educação especial para esses alunos”, afirma a coordenadora de Altas Habilidades do DF, Olzeni Ribeiro.
O programa é dividido em duas áreas: a de Talentos, que inclui artes plásticas, artes cênicas, produção de vídeo e fotografia; e a Acadêmica, que compreende as disciplinas de matemática, química, física, mecânica, mecatrônica, robótica e até gastronomia. As escolas participantes do programa possuem salas de recursos, como a da Escola Classe 57 de Ceilândia, onde ficam os materiais utilizados pelos alunos. As turmas costumam reunir estudantes de diferentes escolas e, às vezes, até de cidades distintas. Vinte por cento das vagas são reservadas para jovens matriculados na rede particular. “Às vezes eles avançam tanto que a escola não dá mais conta. Por isso, precisamos criar parcerias com laboratórios, universidades, empresas”, destaca Olzeni.
“Os professores são orientados sobre como identificar esses alunos especiais, que são muito criativos e inovadores”, explica a coordenadora, que reclama da carência de recursos. Segundo ela, o orçamento destinado à rede pública de ensino do DF não prevê verba alguma para o programa. “Os diretores mais sensíveis acabam pegando parte do material que ia para o ensino regular em suas escolas e dão para as turmas especiais. Porém, há tipos de material muito específicos, difíceis de se obter”, lamenta.
Também falta ajuda de custo para o transporte, o que desestimula alunos de outras escolas. “Eu já perdi alunos que moravam longe, os pais não tinham como trazer”, observa a professora Sandra. Ela diz que o trabalho depende de doações. “Temos muitos parceiros, como o Sesc e a Codevasf. Os doadores particulares são poucos”, comenta. Após serem utilizadas, algumas telas são pintadas de branco para novo uso. Mesmo assim, às vezes os artistas mirins precisam recorrer a velhos discos de vinil. “Em nossas exposições, botamos os quadros à venda. Metade do dinheiro vai para o aluno, a outra parte fica para a compra de material”, revela Sandra, que complementa: “Ele são acostumados com essa coisa improvisada, não se incomodam, o que querem é pintar”.
EXPOSIÇÃO:
SUPERDOTADOS. COM TRABALHOS FEITOS POR ALUNOS DA ESCOLA CLASSE 57, DE CEILÂNDIA.
A partir do dia 18, com visitação até o dia 29, sempre das 9h às 21h. No Espaço Cultural Ary Barroso (Sesc Estação 504 Sul – W3 Sul, 504/505, Bloco A). Informações: 3217-9101
Correiobraziliense.com.br
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