Um campo de futebol de areia, uns equipamentos improvisados, um professor de educação física de escola municipal e a chance de frequentar o principal clube da cidade.
Essa combinação levou a menina Geisa Arcanjo para o atletismo aos 13 anos. Nesta terça-feira, cinco anos depois de fazer seus primeiros lançamentos, a atleta de São Roque [cidade a 60km da capital paulista] ganhou a medalha de ouro no Mundial Juvenil de atletismo, em Moncton, no Canadá, e quebrou um jejum de 16 anos em que o Brasil não subia no lugar mais alto do pódio na principal competição sub-19 do planeta.
Os primeiros passos, saltos e lançamentos foram improvisados. Ainda hoje, os treinamentos dos companheiros de Geisa são feitos com bambu no salto com vara ou um circulo desenhado com o pé para demarcar a área de arremesso no campinho de futebol de areia. O esforço foi recompensado.
"Todo ano vou às escolas municipais convidar alunos para treinar atletismo no Grêmio [clube de São Roque]. A Geisa foi uma dessas, mas não tinha marcas expressivas em nenhuma prova", conta o professor de Educação Física Luciano da Silva, descobridor da campeã mundial juvenil.
Depois de um ano treinando, ela foi convidada para fazer heptatlo. "Mas não deixei. Com 15 anos, ela começou a mostrar potencial. E gostava muito de treinar. Foi quando eu comecei a projetar que ela podia estar na Olimpíada de 2012, 2016", conta, com ar profético, Luciano da Silva.
Geisa passou a treinar no Projeto Futuro, bancada pelo Governo do Estado, na capital paulista. Neste ano, a convite da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), foi para Uberlândia (MG), treinar com um técnico cubano. Mas, segundo sua mãe, deve voltar para São Paulo após a conquista internacional.
"Ela vai retomar a faculdade em agosto. Trancou para morar em Uberlândia, mas quer voltar, terminar a faculdade de Direito [na FMU] para lutar e ajudar os atletas", conta a mãe, Mara.
Segundo familiares, a disciplina da Geisa é tão grande no atletismo quanto fora dele. A "grandona" é boa filha, boa sobrinha, boa irmã, boa aluna, boa atleta. "Ela nunca me deu trabalho. É 'molecona', desde cedo praticou esportes, gostava de andar de bicicleta, pular, fez ginástica, caratê, natação. Mas nunca deu trabalho", lembra a mãe.
A mesma opinião do irmão Jones, 22, que destaca outra característica da irmã caçula.
"Ela foi para o atletismo por curiosidade. Mas ela é muito dedicada, por isso ficou forte assim (risos). Meu pai tem estatura baixa, nós, não. E ela tem o braço maior, mais forte e é mais alta do que eu. E olha que trabalho em indústria [é operador de produção da Companhia Brasileira de Alumínio]. Só sei que depois que ela começou no atletismo a gente nunca mais brigou", brinca Jones.
Essa força fez Geisa arremessar o peso a 17m02 no Mundial Juvenil, o que garantiu a medalha de ouro. No ano, ela já lançou a 17m11 [a segunda melhor marca do mundo entre as juvenis e a melhor entre as brasileiras, inclusive adultas].
O recorde mundial é de 22m63, conquistado em 1962 pela soviética Natalya Lisovskaya. Já a melhor marca sul-americana é da brasielria Elisângela Adriano, com 19m30 em 2001. Resultados tão distantes do de Geisa quanto a data em que foram alcançados.
Como fez seu primeiro técnico no atletismo, o melhor a fazer com Geisa é acreditar em seu futuro, seja para Londres-2012 ou Rio-2016. Hoje, em São Roque, foi dia de festa e orgulho.
MARCEL MERGUIZO
Folha.com.br
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