Já não é de hoje que viver de música é muito mais do que uma questão de talento para compor, cantar ou tocar um instrumento. Atualmente, tão importante quanto produzir música é viabilizar uma carreira por conta própria, sem esperar que algum figurão da indústria do entretenimento o descubra e aponte o caminho do sucesso. Mas essa história da autogestão também é antiga. Por que será, então, que incontáveis músicos, bandas e cantores ainda dão murro em ponta de faca, insistindo em não se profissionalizar o mínimo necessário?
“Existe por parte dos músicos um preconceito com a atividade empresarial. É quase um mito para eles, como se arte e negócios não pudessem caminhar juntos”, avalia o jornalista pernambucano Leonardo Salazar, autor do livro Música Ltda — O negócio da música para empreendedores. O título, publicado pela editora do Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), é o resultado do trabalho de conclusão de curso de Leonardo em gestão de negócios. Como ele explicou em entrevista ao Correio, o jornalismo é sua formação, mas há quase uma década ele trabalha com produção cultural. “Comecei como assessor de imprensa no festival Abril pro Rock, em 2002. Mas não fiz só isso, trabalhei também como assistente de produção. No ano seguinte, eu já estava só na produção. Até 2008, aprendi muito na prática e, claro, observando os produtores mais experientes.”
Para o livro, Leonardo direcionou o que aprendeu no curso para o ramo da música. “Fiz uma pesquisa e descobri que não temos no Brasil nada publicado quanto à ação empresarial nessa área”, observa. O diferencial de Música Ltda é justamente a apresentação dos tópicos, “traduzidos” da linguagem empresarial, específica, para uma de fácil entendimento, mais prática. “Se um músico pegar um livro de marketing ou de formação empresarial, ele provavelmente vai entender pouca coisa. Eu ensino as mesmas lições, mas de outra forma, aplicada à realidade deles”. Entre os tópicos abordados pelo livro estão desde a organização de um show até como lidar com finanças e marketing. Resumindo, como transformar um trabalho musical em uma empresa. Há, ainda, um modelo de plano de negócios para uma banda. Outras informações podem ser encontradas no recém-inaugurado blog http://www.musicaltda.com.br/.
Leonardo Salazar esclarece que existem diferentes maneiras de lidar com a questão empresarial dentro de uma banda. Algumas optam por assumirem elas mesmas a função. Outras delegam a amigos ou se associam a produtores ou empresas da área. Em Brasília é possível encontrar ambos os casos.
Talvez o mais conhecido e bem-sucedido deles seja o da banda Móveis Coloniais de Acaju. Os 10 integrantes conseguiram reverter o que poderia ser o maior problema do grupo, a quantidade de músicos, em sua maior qualidade. Assim, sempre trabalharam com a divisão de tarefas. E dessa forma viabilizaram incontáveis shows dentro e fora de Brasília, organizaram festivais e a produção de seus discos.
“A única coisa que a gente não fazia era emitir nota fiscal, mas em 2008 montamos o nosso escritório”, conta o baixista Fábio Pedroza. Um anos depois, eles contrataram uma consultoria para fazer um planejamento para a banda. “Aprendemos a ser 10 empresários. Hoje temos noções sobre elaboração de projetos, plano financeiro, marketing…”, continua o músico. No caso do Móveis, o produtor Fabrício Ofuji é considerado um integrante da banda. “Tem gente que toca guitarra, bateria ou baixo. O Ofuji toca a banda. O Móveis só teria chegado aonde chegou dessa forma”, afirma o baixista.
Parceria
Em associação com produtoras da cidade, a banda Trampa vem colhendo vários frutos. “Temos uma relação de parceria. Acabamos de fechar a turnê do DVD Trampa sinfônica em quatro cidades”, adianta o vocalista André Noblat. O projeto que deu origem à gravação (registro de apresentação feita em 2008, na Sala Villa-Lobos, com participação de orquestra e regência do maestro Silvio Barbato) foi orçado em R$ 180 mil, captados via Lei Rouanet.
O músico e produtor cultural André Morale começou a fazer os próprios eventos para viabilizar os shows das bandas nas quais tocou desde a adolescência. Com a experiência, passou a produzir os shows dos amigos. Anos depois, promoveu festivais. Como integrante do extinto quarteto High High Suicides, organizou uma turnê pela Argentina e Uruguai. “Um conselho que dou para as bandas é: se você acha que consegue, então ‘meta as caras’, não tenha medo. Pode parecer difícil no começo, mas não é impossível. Mas, claro, é preciso ter uma visão administrativa”. Leonardo Salazar faz coro ao brasiliense: “Além de aprender a tocar um instrumento, o músico agora tem que aprender a tocar um negócio”.
Pedro Brandt
Correiobraziliense.com.br
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