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terça-feira, 13 de julho de 2010

Mineiro passa horas dando forma a instrumentos de corda

Entre as paredes azuis de uma casa modesta no Recanto das Emas, na Quadra 404 da Avenida Ponte Alta, esconde-se um tesouro particular. Pelas grades do portão, é possível ver o amontoado de madeira. Difícil imaginar que daquele material bruto nascem os contornos delicados de violões, violas, violinos, banjos, baixos, guitarras, toda sorte de instrumentos musicais de corda. Mas há vários deles, em diferentes cores e tamanhos, espalhados por todos os lados, pendurados na sala e em um ateliê improvisado no quintal. As mãos rústicas do mineiro Joaquim Nunes da Silva, 70 anos, dão forma a cada instrumento.

Antes de descobrir esse talento, Joaquim dirigia equipamentos pesados, como tratores e carretas, há 45 anos. O luthier aprendeu sozinho a construir as peças, há quatro anos. É um apaixonado pelo som da viola caipira e do violão. “Eu me aposentei e não queria ficar parado. Tenho mãos e pés sadios e muita vontade de aprender, porque o mundo é vasto. Além disso, minha família tem carpinteiros por tradição. Aprendi esse ofício com meu pai. Nunca tinha visto ninguém fazendo violão, viola nem nada dessas coisas. Mas, fora isso, eu construía de tudo: cadeira, mesa…”, relatou.

A vontade de ver o próprio talento revivido conduziu o mineiro ao aprendizado. Ele foi a Taguatinga, onde observou de longe, durante 15 dias, como trabalhavam os luthiers. Depois disso, seguiu para casa, juntou toda a madeira que tinha e construiu ele mesmo uma máquina de serrar. Começou com um violão. Descobriu o prazer de ver nascer um instrumento musical e nunca mais parou.

Produz um a cada 10 dias, em média. O trabalho é artesanal ou “caipira”, como Joaquim gosta de dizer. “Eu faço com muito cuidado, que é para durar bastante tempo. Um violão daqueles que a pessoa compra na loja estraga rápido, tem até uns que vêm da China, são bonitinhos, mas descartáveis. Os meus, não. A vida deles é de 20 a 30 anos”, garantiu.

Qualidade
A estrutura dos aparelhos é reforçada. A madeira, garante, é da melhor: “Eu compro cedro, compensado de imbuia, mogno. Só coisa boa”. O acabamento é primoroso. Tem até violão rosa e azul, para crianças. Joaquim não descansa enquanto o violão, banjo ou viola não fica como ele desenhou em sua mente. Os mais baratos custam entre R$ 120 e R$ 150. “Um violão que custa R$ 300 na loja, eu tenho igualzinho ou melhor aqui, mas pela metade do preço.”

Algumas pessoas saem de longe à procura dos serviços de Joaquim. Mesmo com essa procura, ele vende pouco: “Tem mês em que não sai nada”. Não investe em propaganda, porque falta verba. Pelo menos duas vezes por mês, ele vai a feiras em diversas regiões. “As pessoas são curiosas, mas não têm dinheiro. Todo mundo pega, quer saber quem fez, mas comprar que é bom, nada”, conta, decepcionado. Ele recebe também alguns pedidos de conserto. “Chega cada violão novinho aqui e já todo quebrado.”

Autodidata
Joaquim estudou só até a quarta série primária. “Tenho trauma de escola. Quando vejo uma professora, chego a sentir agonia, porque a minha batia muito nas crianças, judiava demais da gente.” O luthier tem sotaque rural, capricha no “sô” e no “uai”. A fala combina com a aparência séria, simples, porém vaidosa de Joaquim. Ele anda pelas ruas do Recanto das Emas sempre arrumado, vestido em calças e camisa social, botinas e chapéu marrom. Usa também óculos de lentes grossas, para amenizar os efeitos de uma miopia. Mesmo com o problema de visão, garante que nunca se machucou com as serras e furadeiras essenciais para esse ofício, supercortantes e perigosas.

A voz dele lembra a de um violeiro. É grossa e afinada. “Mas eu só canto hino de louvor na igreja, música do mundo, não.” Ele é evangélico, há 40 anos. Nunca aprendeu, porém, a tocar um instrumento musical. “Dizem que papagaio velho não aprende a falar. Deve ser verdade. Eu tentei aprender viola e violão muitas vezes, mas não dá jeito. Só sei fazer mesmo”, lamentou.

Ele é do tipo de gente que gosta de fazer tudo sozinha, dispensa ajuda e não tem paciência para ensinar sua arte a outras pessoas. “Você precisa ver, às vezes eu me ofereço para lixar algum violão para ele e ele nunca deixa. É um homem muito inteligente, mas não me deixa ver ele trabalhar”, revelou a mulher de Joaquim, Maria, a antiga cuidadora dos pais dele, dois pioneiros da construção de Brasília, já falecidos.

Pioneirismo
Nascido em Januária (MG), Joaquim mora no Distrito Federal desde 1996. Antes disso, vivia em São Joaquim da Barra (SP), onde foi criado e teve sete filhos. Veio para a capital com a missão de cuidar da mãe, Luzia, que estava doente e morreu em agosto último, aos 90 anos. “Ela não enxergava, nunca me viu trabalhando.” As lembranças da família estão espalhadas por Brasília. A mãe e o pai dele, Zezimbro, vieram para o DF a convite do então presidente Juscelino Kubitschek. “Ele (JK) trouxe meus pais em um avião enorme para cá. Minha mãe era cozinheira no Catetinho e meu pai ajudou a construir muita coisa”, lembrou.

O luthier pensa em voltar para o Sudeste do país. “É onde estão meus netinhos, meus filhos. Gosto demais de Brasília, ajudei a construir muita rua dessa cidade. Mas não está dando para ficar porque ninguém compra violão.” Mesmo queixoso, Joaquim resiste a abandonar sua casa no Recanto das Emas, onde vive com Maria. Se ele for embora, muito de si mesmo fica para trás. Enquanto não se decide, Joaquim namora suas relíquias empoeiradas, à espera de quem queira dedilhá-las.

Conheça
Contatos com seu Joaquim, que aceita encomendas, podem ser feitos por meio dos telefones 3333-1920 e 9203-6102.

Leilane Menezes
Correiobraziliense.com.br

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