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quarta-feira, 12 de maio de 2010

Artista plástica sobrevive à grave doença e usa o coração como recomeço

Dar a volta por cima e recomeçar frente a situações adversas é muito legal, especialmente quando se compartilha as lições aprendidas com os outros, em forma de arte. Todos os males vêm para o bem!

Artista plástica que enfrentou uma grave e rara doença e depois disso teve a vida completamente modificada faz exposição e usa o principal órgão humano como símbolo de sua volta por cima.


Quem chega ali leva um susto. O que é aquilo? Que tantos corações pendurados são aqueles? Corações feitos usando várias técnicas: costuras. bordados, crochês. De todos os tamanhos, todas as formas. O que significa aquilo tudo? Estar ali, de cara, causa um certo estranhamento. Mas é bom que se entre. E a pergunta se faz inevitável: quem pariu aqueles corações? Sim, alguém lhes deu vida, mesmo que feitos de pano.

Na manhã de ontem, a “mãe” daqueles corações estava ali, segurando suas duas bengalas. Suas pernas emprestadas. O equilíbrio que lhe foi roubado. E ela ria, como se ri da vida e pelo fato de estar vivo. O encontro não poderia ser mais providencial. Suyan de Mattos, carioca em Brasília desde os 9 anos, é uma sobrevivente. Aos 48, descobriu que a melhor coisa é ainda existir.

Há um ano, ela morreu. E morreu sem saber que estava morrendo. Era pra ser um carnaval daqueles, em Pipa, litoral do Rio Grande Norte. Uma dor de cabeça a consumiu de tal forma que ela não conseguia mais nem pensar. Hospedada em casa de amigos médicos, eles primeiro lhe deram analgésicos. Nada. A dor só aumentava. Desconfiaram, então, de meningite. Quiseram interná-la num hospital de Natal. Ela resistiu. Teve medo. Preferiu voltar para Brasília, onde mora a família.


Do aeroporto de Brasília foi direto para um hospital particular se internar. “Fui atendida por uma médica boliviana, que me diagnosticou com sinusite e me deu remédios para aliviar a dor de cabeça. Só que a dor não passava, só piorava”, ela conta. Desesperada, Suyan resolveu deixar o hospital. “A médica fez minha mãe assinar um papel dizendo que eu estava saindo sem autorização dela. Minha mãe assinou.”

Suyan foi, então, para outro hospital, no fim da Asa Sul. “Lá, uma médica me deu um remédio na veia. A dor passou na hora. E me liberou para ir para casa.” Às 7h da manhã, porém, a dor voltou com maior intensidade. Suyan voltou para o primeiro hospital onde fora atendida assim que chegou de Natal.

“Fiquei três dias internada num ambulatório e só depois me levaram para a UTI”, lembra. E ali entrou em coma. “Um médico disse pra eu ir me preparando, porque o caso era muito grave. Eu vi o pior”, conta a advogada Adir Sant’Anna, de 71, mãe de Suyan. Um outro, tempos depois, disse: “Se viver, ela ficará com demência pro resto da vida”.

E finalmente um laudo conclusivo: a artista plástica estava com encefalomielite — uma doença autoimune, rara (ocorre em uma a cada um milhão de pessoas), que os médicos ainda não sabem se foi causada por vírus ou bactérias. O fato é que Suyan saiu daquele hospital paraplégica e surda. E com um pedaço de vida que insistia em recomeçar.

Era um duro golpe para a mulher que vivia intensamente. Formada em história pelo UniCeub, e em artes pela Universidade de Brasília, as horas não cabiam no único dia de Suyan. Depois de formada, prestou concurso para a Secretaria de Educação. Virou arte-educadora. “Mas eu vivia em crise comigo mesma. Foram cinco anos assim. Não sabia se era professora ou artista”, diz.

Partidas
Ela decidiu, então, que faria um mestrado em artes, fora do país. E partiu para a Universidade Nacional Autônoma do México. “Era pra viver dois anos ali. Fiquei cinco.” Do mestrado, ela seguiu para o doutorado em história da arte. Voltou para o Brasil. E virou professora provisória da UnB, da Secretaria de Educação e da Faculdade Dulcina. “Ela dava aula das sete da manhã às 11 horas da noite. Não parava”, conta a mãe.

Com as aulas, a artista plástica ainda participava de exposições coletivas e individuais pelo país e fora daqui. Mas a inquietação lhe era constante. “Todo artista é um voador”, confessa. E mais uma vez ela partiu. Foi para a Argentina. Em Buenos Aires fez o pós-doutorado, em artes, com bolsa do CNPq. Um ano e meio na terra de Evita. “Os argentinos, pelo menos os que conheci, são frios, eles não abraçam, não chegam perto. Senti solidão naquele lugar.”

Suyan retornou a Brasília. E foi dar aula no Iesb, na Unieuro, no UniCeub e na Foplac. Mais uma vez, a vida vira uma loucura. E mais exposições. No ano passado, no auge da sua produtividade, naquele carnaval que seria inesquecível, a vida mudaria para sempre. Sem andar, sem escutar nada, as limitações lhe causaram dependência diária. Ela se mudou da casa com jardim bonito onde morava sozinha, num condomínio do Lago Sul, para junto da mãe, no Guará I. E conta com a ajuda do pai, separado da mãe, e de dois irmãos mais novos.

Passou a viver numa cadeira de rodas. Chorou quando teve vontade. E quis recomeçar, quando se sentiu capaz para isso. Foi para o Hospital Sarah do Aparelho Locomotor. “Lá, eu aprendi a ser independente.” Conheceu gente que só movia a cabeça. Soube de histórias piores do que a sua. Riu com algumas, chorou com outras. Fez amigos pra toda a vida. “Descobri que precisava começar a fazer coisas pra deixar a minha vida feliz novamente.”

Ainda no Sarah, ela começou a criar os tais corações. “Os médicos, os enfermeiros, os pacientes, todos me perguntavam o que era aquilo. Eu dizia: ‘É arte contemporânea’. Ninguém entendia nada”, conta, às gargalhadas. E reflete: “Há um ano, tenho uma outra vida. Preferia a outra, mas é essa que tenho agora e vou ser feliz assim”, diz. Emocionada, faz uma confissão: “Tô viva. Adoro viver, mesmo sem nunca mais ter ouvido uma música”. A mãe, sem dizer uma palavra, balança a cabeça com gesto afirmativo. Adir é testemunha do renascimento da filha.

“Minhas meninas”
Com exercícios específicos, hidroginástica e acupuntura, os movimentos das pernas, aos poucos, foram voltando. Da cadeira de rodas, ela passou ao andador. Agora, com 15 kg a mais, se sustenta com ajuda de bengalas. “Chamo as duas de minhas meninas: Maria Rita e Maria Paula”, conta, com um sorriso de quem aprendeu a rir da vida e de si mesma.

Aposentada por invalidez pelo INSS e pela Secretaria de Educação, Suyan decidiu ser o que sempre foi: apenas artista. Agora, em tempo integral. Ainda sente dores na coluna, nas pernas e formigamento nos pés. Está surda, mas continua viva. Na manhã de ontem, a conversa foi intermediada pela mãe, sempre disposta a acompanhar a filha. Tão grave é a surdez que nem aparelhos resolvem o problema.

Quando se fala olhando diretamente para a artista plástica, ela consegue fazer leitura labial. Mas, ainda assim, há momentos em que o diálogo fica mais complicado. Adir, a doce mãe, entra em cena. A comunicação entre as duas é perfeita. “E olha que nossa relação não era das mais fáceis. Complicada mesmo. A Suyan sempre foi muito determinada, fez o que quis, independente”, diz a mãe. A filha reconhece e admite: “Acho que mudei, fiquei mais carinhosa com todos que me cercam, rio mais”.

Naquele espaço da Casa de Cultura da América Latina, da UnB, no Setor Comercial Sul, os corações de Suyan, feitos de panos, trapos e pura emoção, batem forte. Além deles e de toda a simbologia que representam, ela colocou um vestido e um babador (“que minha mãe pedia pra eu usar quando tava internada e precisava comer” e dois jalecos (“que eu usava no Sarah e roubei quando saí”).

Tudo virou arte nas mãos inquietas da artista que não segue rótulos. Até uma carta de um ex-namorado espanhol parou ali. “Meus ex-mortos estão todos aqui. Minhas loucuras sexuais também”, brinca, sem pudores. O nome da exposição? Vou te contar um segredo: o coração emudece. “É a realidade da minha vida, o que sou, minhas histórias, meus recortes de vida. O engraçado é que o título foi pensado há dois anos, antes de tudo acontecer”, explica. E continua: “A arte não me deu dinheiro, mas me dá êxtase, liberdade, prazer total”.

Pergunto à mulher que escolheu sempre ser perdidamente apaixonada — pelos homens e pela vida — como vão os amores. Ela responde, às risadas: “Tô sozinha. Um amigo me disse pra eu pagar um michê pelo menos para fazer o meu cateterismo (para ajudá-la no processo da urina)”.

Passa das 13h. A conversa precisa acabar. Há muito para a artista plástica fazer. Outras criações, novos trabalhos, novas ideias, mais um médico para ir... É a vida, como o coração que bomba o sangue, continuando. E ela mesma define essa vida: “É um brinde (“Nossa, que cafona!”). E continua, comovida: “É sofrimento, lágrimas, renascimento e eternidade. A gente só morre quando o coração para de bater”. Suyan sabe o que diz.

O sangue da vida
Exposição: Vou te contar um segredo: O coração emudece, na Casa de Cultura da América Latina (CAL) — Setor Comercial Sul, Quadra 4, Edifício Anápolis. De terça a sexta-feira, das 10h às 20h. Sábados, domingos e feriados, das 12h às 18h. Até o dia 23. Entrada franca.

Fonte: Correio Braziliense
Matéria de Marcelo Abreu

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